domingo, 29 de abril de 2018

PRAÇA DO TEATRO SÃO JOÃO




Antes da construção das duas alas da avenida que compõem hoje, o povo fazia footing no espaço compreendido do começo da rampa do Boulevard Dom Pedro II. (hoje Av. Dr. Guarany) até próximo a casa à esquina da casa da D. Nana Figueiredo. Não existia calçamento no local. Mesmo assim o movimento era acentuado, mormente às quintas, sábados e domingos e em noite de luar.

A construção da ala que fica ao lado da igreja Menino Deus antecedeu a da outra que fica em frente ao teatro. Aquela se tornou imediatamente o ponto de afluência da população, muito especialmente por ocasião do novenário natalino. 

A outra ala ficou por muito tempo desativada e protegida por uma cerca de arame farpado. O povo pedia ao prefeito que concluísse logo a construção dessa Segunda fase, não só por ser de interesse urbano, mas, sobretudo, por exigência dos frequentadores do cine-teatro São João. 

Felizmente a prefeitura atendeu aos anseios da população, e, tão logo foi inaugurada a ala, a elite elegeu-a como privativa, ficando a outra destinada a empregadas domesticas e outras classes modestas, numa discriminação social feita natural e pacificamente, sem controvérsia.

Em 1939, toda a movimentação daquelas noites agradáveis, era animada pelo serviço de som, então já em pleno funcionamento, da Coluna Rádio Imperator, do Sr. Falb Rangel. As 18 hs. a Imperator dava inicio a sua programação, tocando uma marcha característica, e em seguida eram anunciados os filmes do dia. Logo em seguida ouviam-se as mais belas musicas do cancioneiro nacional.

Quando havia novena nas igrejas circunvizinhas, logo que estas terminavam o pessoal jovem dirigia-se para a Praça São João e ia voltear na avenida que fica em frente ao teatro. 

O local era designado pela sociedade para a pratica de uma atividade lúcida tão antiga quanto a própria humanidade: a paquera. Flertava-se de duas maneiras: ou se ficava parado aguardando a passagem da preferida, ou então se ia também passear, mas no sentido contrário, porque a cada volta o paquerante se encontrava duas vezes. Quando o flerte já estava consolidado, o casal procurava a ponta do passeio que termina em triângulo, apontando para o palácio do Bispo (hoje o Museu Diocesano), onde havia menos gente e a luz era mais discreta. Depois que o namoro já estava oficializado, o par ia dar voltas na outra parte da avenida e sentava-se num dos bancos ali existentes.

Terminada a sessão de cinema das seis horas, a avenida tomava um novo alento. As pessoas mais idosas que se encontravam nos bancos da avenida dirigiam-se para o Cine São João, a fim de assistirem a sessão das 7h30min.. Um dos bancos constituía uma verdadeira cadeira cativa. Era o que ficava em frente ao teatro. Ocupavam-no, Euripedes Ferreira Gomes, Hércilio Lopes, Ataliba Barreto, Waldemar Lira, Antônio Lima, Raul Monte e outros.

As nove horas o serviço de alto-falante da Rádio Imperator encerrava a sua programação do dia irradiando “The stars and stripes forever”(as estrelas e faixas sempre, quer dizer, a bandeira dos Estados Unidos, conhecidíssima marcha militar de Jonh Phillip). Aos primeiros acordes da marcha, o povo começava a abandonar a avenida sem esperar o fim da característica musical. Nesta ocasião dizia-se que havia “soltado a onça”.

Quem descia a Rua Senador Paula (hoje Av. Dom José), chegando ao sobrado do sr. Radier Frota, tinha de descer a calçada, já que ela estava tomada por uma famosa rodinha de jovens comandado por Safira Frota, onde se comentavam a vida social da cidade, brigas de namorados e outros assuntos naturais da juventude da alta roda sobralense. Aquelas reuniões foram desfrutadas por muito tempo, adquirindo foros de tradição.

As pessoas adictas a leitura de jornais iam esperar o ônibus na Agência Vicente Bento, para adquiri-los. No lado direito da porta de entrada do cinema havia um modesto cafezinho. Era uma saleta cortada ao meio por um tosco balcão e semi-escurecida por uma fraca lâmpada elétrica presa a um fio engrossado por excrementos de moscas. A parte de fora, obviamente, era destinada a clientela; a outra era ocupada pela administração. A direita, um fogareiro sempre aceso, um conjunto de prateleiras onde estavam algumas carteiras de cigarros “Yolanda” e “Odalisca”, vendidas respectivamente a R$ $ 400 e R$ 1$000 (quatrocentos e mil Réis, receptivamente), o material necessário a feitura do café e uma caixa de fósforos. Do lado esquerdo havia um enorme pote de água cujas paredes externas já apresentavam sinais visíveis de lodo, guardados por dois rotundos e sonolentos cururus. Dali saia a água para o serviço e para os clientes. Era retirada por meio de uma caneca de folha de flandres, de bordos circundados por agressivos dentes, para evitar que algum freguês pouco afeito a higiene tentasse beber diretamente nela. Dotada de comprido cabo do mesmo material, para permitir que a água fosse retirada com mais facilidade, era cuidadosamente pendurada num prego ficando pouco acima do pote, avista do freguês, a certifica-lo do principio da higiene. Pregada na parede da direita, havia uma tabuleta contendo os nomes dos devedores relapsos, a quem a casa não mais servia, a não ser que resgatasse a divida.

Após o cinema, o pequeno espaço ficava superlotado por pessoas a espera de que lhe fosse servido o famoso cafezinho, uns deliciosos tijolinhos de leite, lingüiça com farofa, paçoca com arroz, avoante e um delicioso bate-bate de maracujá – as especialidades da casa.

Era seu proprietário Antônio Urias, conhecido como “Buchinho”, de estrutura baixa e excessivamente neurastênico. Alguns clientes gostavam de vê-lo irritado. No fim do expediente, “Buchinho”, já tendo ingerido várias doses de pinga, não tolerava que pedissem um tijolinho de leite acompanhado de um copo de água. Um certo cliente habitual fazia-o freqüentemente.

· “Pé-de-Grelha” (era o ajudante), baixa um tijolinho de leite e um copo d’água!
Satisfeito, o freguês começava a roê-lo demoradamente. E haja água, “Buchinho” continha-se a duras penas. Mas um dia explodiu de si para si: ”Ah, fi duma égua pra beber água!!!”.

Num belo dia chegou o freguês hidrófilo e fez o tradicional pedido. “Buchinho” não se conteve: mandou “Pé-de-Grelha” servir o tijolinho acompanhado logo de 10 copos d’água.