domingo, 12 de dezembro de 2021

A ILUMINAÇÃO ELÉTRICA DE SOBRAL

 


Nestas notas, cabe a vez de recordar um episódio intimamente relacionado com o primeiro projeto de fornecimento de luz elétrica à minha cidade natal.

Não fora, agora, o meu depoimento, passaria ignorado.

Em setembro de 1916 residia em Sobral, onde me havia estabelecido àquele ano, no mesmo prédio (construído em 1873) que fora sede da firma comercial de meu falecido pai durante longo tempo e ainda hoje de minha propriedade.

Oscar Harry Barnett

J. Adonias & Cia., de Camocim, de quem era eu agente em Sobral, telegrafaram-me para receber o Sr. Oscar Harry Barnett, norte-americano, gerente da Standard Oil em Fortaleza e que pela primeira vez visitava os seus clientes da zona norte.

O trem de “lastro” em que ele viajara, chegou a Sobral às quatro e meia de uma tarde abrasadora.

Cumprimentei-o na estação, e, tendo ele aceito o convite para que se hospedasse em minha residência, para lá nos dirigimos, a pé.

Velho hábito de Sobral, e de todas as cidades do interior, o nosso hóspede veio a conhecer, depois do jantar, cerca das sete horas, quando passamos a conversar nas cadeiras postas na calçada.

A obscuridade se adensava numa noite sem lua.

Em tom de surpresa, Mr. Barnett me indaga:

- Não temos luz hoje?!

- Infelizmente não é só hoje, respondi-lhe.

A decepção não o fez pasmar-se, senão que para logo exclamou com veemência:

- Uma cidade destas não pode passar mais tempo sem luz elétrica! Por que ninguém se lembrou disso?

- Ainda não, expliquei-lhe, por exigir a inversão de grande capital só obtive mediante empréstimo. Mas  estou certo de que bom lucro está reservado a quem tomar a iniciativa.

No decorrer da palestra, manifestando interesse crescente, Mr. Barnett ia se informando quanto à população da cidade e à sua área edificada.

Pelas 7 horas da manhã seguinte, saímos a cavalo em visita a vários pontos. A certa altura Barnett me pergunta: “Onde mora a população pobre?”

Rumamos para Cruz das Almas e dali para a rua das Pedrinhas, do outro lado do Rio Acaraú. Ante o panorama geral da cidade, Barnett mais empolgado ficou:

- É grande! Maior do que eu esperava!

Após o almoço, levei-o à coletoria federal, a fim de proporcionai-lhe indicações de cadastros. Na mesma tarde apresentei-o ao prefeito; anunciei ao Coronel Frederico Gomes Parente que Mr. Barnett estava disposto a contratar a instalação da luz elétrica em Sobral, apenas dependendo da outorga oficial.

O prefeito, colhido embora de surpresa, mostrou-se inteiramente solidário, e, como estavam para encerrar-se os trabalhos da Assembleia Estadual, deu-se pressa de recomendar Mr. Barnett ao deputado Emilio Gomes, seu irmão.

Não havia tempo a perder; Barnett decidiu interromper a projetada viagem a outras cidades (Ipú e Crateús), e regressou prontamente a Fortaleza, via Camocim.

Na capital do Estado, transcorridos três meses, era lavrado o contrato de instalação e arrendamento de uma usina fornecedora de energia para luz e força motriz, tendo assinado o respectivo Termo, a 5 de dezembro de 1916, como Presidente do Ceará, o ilustre e saudoso sobralense Dr. João Thomé de Saboia e Silva. “A Ordem” publicou na integra o contrato, sob o título “Sobral às claras”.

Rezava esse instrumento que a iluminação pública seria feita por lâmpadas de cinquenta velas penduradas em postes de madeira lavrada com braço de ferro curvado e com refletor. A luz seria acesa meia hora depois do pôr-do-sol e continuaria até meia noite. Quando houvesse luar, seria apagada meia hora depois do ter nascido a lua, e quando o pôr-da-lua se verificasse entre dezenove e vinte e três horas, a luz seria acesa meia hora antes deste ocaso.

Ao assinar o contrato com o Estado, Oscar Barnett estava convencido de que lhe não seria difícil constituir a empresa arrendatária, ou, na pior nas hipóteses, sub-rogar nos direitos e obrigações da exclusividade algum capitalista interessado, que o remunerasse satisfatoriamente e a quem transferiria o contrato.

Nem uma coisa, nem outra, e o contrato caducou,

Igual destino teve a concessão subsequente, desta feita adjudicada pela Câmara Municipal de Sobral ao Dr. José Marinho de Andrade, por instrumento que a 10 de maio de 1920 foi sancionado pelo prefeito Dr. José Jácome de Oliveira, sendo secretário da Câmara o jovem Renato Borges. A imprensa sobralense divulgou o texto.

Oriano Mendes

Tivemos, por fim, uma iniciativa que vingou, a Companhia Industrial de Força e Luz, incorporada em 1924 e inaugurada em 1926; e para seu êxito, sabem-no todos os sobralenses, decisivamente concorreu o dinamismo da Oriano Mendes, a quem Sobral deve outras relevantes serviços em diferentes setores da sua atividade; na expansão do comércio, da indústria, da lavoura, e sobretudo da nossa organização bancária, pois deve-se a ele, dentre tantas realizações meritórias a fundação do primeiro Banco.

Não façamos perto ainda. Já que estamos falando de iluminação pública, lembre-se que Sobral a teve por duas vezes, antes da elétrica. A primeira em 1879, a 25 de março, cujo contrato, ao que consta importando em Rs. 14.000$000, foi firmado pelo Coronel Ernesto Deocleciano de Albuquerque. As condições estipulavam o suprimento de duzentos postes de aroeira ou de outra madeira de lei. Os lampiões, preparados em Sobral, eram providos de um recetáculo de gás “globo” ou nafta. A título de experiência, no dia 17 de outubro de 1879, foi iluminada a frente da casa do Coronel Ernesto.

Começaram os trabalhos de assentamento dos postes nos lugares em que se supos serem mais úteis. O critério não deu bom resultado, pois variando a distância de um poste a outro, parece que primou pela ineficácia. Além disto, o gás globo não era tão adequado como se esperava. Bem ou mal, todavia, prestou utilidade até o ano de…

A segunda instalação data de 1893, quando nomeado intendente o Dr. Alfredo de Andrade. Os antigos postes, e creio também os lampiões, foram aproveitados, passando a consumir querosene. O Dr. Alfredo de Andrade foi um intendente muito benquisto, boníssimo, estimado inclusive por seus adversários políticos.

Encerrando estas notas, desejo por um momento volver à época da visita do Mr. Barnett. Deu-me ele de presente uma pequena máquina fotográfica Kodak, a primeira que possui e que durante muitos anos foi minha companheira de viagens…

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário