Em 1841 foi executado um tal Sebastião, escravo de Joaquim Francisco
do Rego, conhecido como ‘doutor Rêgo’, negociante que residia à Rua Velha do
Rosário, atual Coronel José Sabóia, no prédio em que funcionava a Casa Bancária
Godofredo Rangel.
Chegando a casa, à noite, o doutor, ao transpor o limiar, sentiu-se agredido e gritou: “Sebastião, meu negro, acode-me!” Este lhe respondeu: “É ele mesmo”, incontinente crava-lhe a faca no estômago, prostrando-o semimorto.
O Dr. Gustavo Barroso narra o fato com alguma variante: teria Rêgo exclamado: “aqui Del-Rei, que morro!” E arquejando ainda teve força para dizer: “foi o meu escravo Sebastião, que me matou”. Depois se imobilizou no sono eterno.
Sob carrancuda direção do juiz de paz Miguel Francisco do Monte, o cirurgião aprovado João Felix Lobo fez no cadáver o exame pericial, que o escrivão Polycarpo de Sousa autuou com sua rasgada letra cursiva. A facada vibrada de modo certeiro, perfurara o estômago.
Joaquim Francisco Rêgo, homem branco, casado e estabelecido
com loja de fazenda na Rua do Rosário, era natural de Pernambuco e cursara a
Academia de Direito até o 3º ano. Outro pernambucano aqui residente, seu amigo,
major Manuel Francisco de Moraes foi quem construíra o sobrado em que
funcionava a Farmácia Monte, à Praça do Mercado velho. Acudiu pressuroso à
viúva em lágrimas e esporeou agente para que se seguisse sem mais tardança em
perseguição do criminoso.
Determinaram-se, pois as necessárias diligências para a
captura do desalmado. O juiz mandou chamar dois famosos capitães do mato da
localidade: Luciano e Sabino. O amigo do morto mandou secundá-los pelo célebre
rastejador Chico Sapateiro. Os três homens ganharam o mato, bem armados. Quatro
dias após o crime, a 6 de maio de 1841, trouxeram amarrado o negro, que estava
escondido na Lagoa das Pedras, perto do Riacho das Itans.
E no sumário o réu confessou tudo. Roubara um pouco de
aguardente ao amo, e com medo do castigo, resolvera matá-lo. Estava ainda
embriagado quando o esfaqueou.
O terror das torturas a que se viam submetidos os pobres
africanos e seus descendentes crioulos era tal que os levava assim ao
homicídio.
O juiz achou que devia ser incurso no grau máximo da pena capitulada no artigo 192 do antigo Código Criminal, vindo a dar a seguinte sentença: “em virtude da decisão retro, condeno à morte o escravo Sebastião, por haver morto o seu senhor, como se vê dos autos. E depois de preenchidas todas as formalidades legais o escrivão remeta ao juiz competente estes autos para execução desta sentença, pagas à custa pelos bens do finado. Cidade de Januária, 19n de maio de 1841. João Fernandes Barros”.
Recolhido ao oratório no dia 15 de junho, no dia 16 saiu da
cadeia, que naquele tempo era no primeiro piso do prédio da Câmara de Vereadores,
na Praça da Matriz, rumo à forca que haviam armado num terreno baldio para a
qual davam alguns fundos de quintais.
Doze guardas nacionais mal fardados o escoltavam de
baionetas caladas como sempre, o juiz e o escrivão iam a cavalo. O negro caminhava
pálido, de cabeça levantada. “Era magro, de pernas finas, rosto boçal, com
beiçola grossa e caída. Segurava a corda fatal, “um condenado às galés
perpétuas” (Lourenço Nogueira Campos), verdugo forçado que chorava todo o tempo
convulsamente.
Dos instrumentos humanos da bárbara época, era o único que
tinha coração.
Ao pé do patíbulo, o carrasco soluçante afastou-se
escondendo o rosto com as mãos.
Nem tinha coragem de encarar os paus do suplício. Antes que
o juiz tomasse qualquer providência, o escravo Sebastião subiu os degraus da
escada, amarrou a corda à trave. Lá em baixo o padre Antonio da Silva Fialho
rezava em voz trêmula e alta o Credo.
O réu sorriu, passando o olhar em torno. Depois meteu a
cabeça no laço e atirou-se no ar. Levou algumas horas estorcendo-se até que se
consumou a asfixia.
O carrasco voltou à cadeia sem nada ter feito, entre os
guardas nacionais, cabisbaixo, sempre a soluçar.
As contas da execução do assassino orçaram em 8.840
cruzeiros, que o juiz cobrou com ofícios ao brigadeiro José Joaquim Coelho,
presidente da província, e que a Coletoria de Sobral somente pagou dois meses
depois. (Até aqui com informações de
Gustavo Barroso).
A triste cena realizou-se na Rua da Gangorra, atual Domingos
Olimpio, mas não no pelourinho.
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